Vitor foi contratado pela Globo em 2010 depois de passar pela oficina
de roteiristas da emissora. Seu primeiro trabalho foi como colaborador
da novela "O Astro" no ano passado. Além de autor, Vitor também é
professor e mantém um blog de muito sucesso sobre televisão. Nessa
entrevista Vitor fala de sua paixão pela TV, sobre novelas, sobre o seu
blog e livro "Eu prefiro melão", além de contar um pouco de seus próximos
projetos. Confira.
Funcionário público, professor formado
em Letras: todas as minhas experiências me ajudaram a ser
quem eu sou. Fui muito feliz em todas as minhas atividades. Quando não estava
mais satisfeito, simplesmente parti pra outra.
Caminho para chegar até a TV: determinação, dedicação e luta.
Eu prefiro melão: Só me dá alegrias e me abriu grandes portas. Não me trouxe grana,
mas me trouxe reconhecimento. E como se não bastasse, graças a ele,
publiquei meu primeiro livro!
“O Astro”: Inesquecível. As melhores lembranças! Um trabalho que sempre vou guardar
em minha memória e meu coração com um enorme carinho. Já imaginou, logo em sua
estreia, ajudar a contar uma obra consagrada de ninguém menos que Janete Clair,
com Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro, com um elenco de nomes como Regina
Duarte, Francisco Cuoco e Rosamaria Murtinho (que povoaram meu imaginário de
espectador desde a infância), entre tantos outros queridos e talentosos atores...
o que mais posso querer? Amor eterno!
(Vitor de Oliveira e Alcides Nogueira)
Alcides Nogueira: Como não amar? Sem dúvida, a pessoa mais importante em minha formação
profissional. Além de um autor de enorme talento, um companheiro de trabalho
maravilhoso, um mestre da maior generosidade, um amigo querido, uma
inteligência rara, uma cultura ímpar e uma das melhores pessoas que conheço. É
o aprendizado pelo afeto. Tide é único!
Fábio - Você sempre quis escrever
para televisão?
Vitor: - Sim, mesmo
não tendo essa consciência clara na infância quando criava minhas “novelinhas”
em meus cadernos. Por ser do interior e de família classe média baixa, sempre
me pareceu um sonho muito distante. Então, quando ingressei na vida
profissional, deixei esse sonho de lado e investi em uma carreira acadêmica que
nunca veio a se concretizar de fato.
Fábio: - Você sempre teve o apoio da sua
família na escolha da sua carreira?
Vitor: - Não
diretamente, porque, como já disse, trabalhar na televisão sempre foi algo
muito distante da nossa realidade, mas eles sempre enxergaram essa minha
vocação natural para a escrita e sempre me apoiaram em todas as minhas decisões.
Fábio: - Você lê muito? Que tipo de leitura
você acha fundamental para seu trabalho?
Vitor: - Olha, não
tanto como gostaria e deveria (risos). Como fiz faculdade de Letras e depois
encarei dois mestrados incompletos, durante muito tempo fiquei lendo livros
indicados por outras pessoas e para finalidades específicas. Só agora estou
retornando ao prazer de ler o que bem quero.
Para o meu trabalho, é importantíssimo ler de tudo, desde os grandes
romances até livros teóricos sobre a técnica de escrever roteiro, passando por
jornais, revistas, gibis e até mesmo roteiros prontos. Leia o máximo que puder
e de tudo. De uma notícia de jornal, pode surgir uma grande história.
(Apresentação da novela "O Astro")
Fábio: - Qual é a melhor forma de divisão de
trabalho entre autor e colaboradores para se escrever uma novela?
Vitor: - Não sei se
há uma “melhor forma”. Isso vai depende do método de trabalho de cada autor. Nossa
função é sempre facilitar ao máximo o trabalho deles, que já é hercúleo por
natureza.
Fábio: - Você pode descrever como é o
trabalho de um colaborador?
Vitor: - Mais uma vez,
isso vai variar de autor pra autor, mas basicamente o colaborador desenvolve as
cenas criadas pelo autor, escrevendo diálogos e descrevendo as ações de forma
mais clara possível. Há colaboradores que são especialistas em escaleta, que é
a descrição das cenas ainda sem as falas, ou seja, o esqueleto, a estrutura de
um capítulo. Um colaborador também pode participar das reuniões, opinando e
dando sugestões para o desenvolvimento da trama e também pode fazer a revisão
dos capítulos, mas como já disse, a função de um colaborador vai depender
sempre das atribuições que o autor vai dar a ele.
Fábio - Ao escrever capítulos, qual é a dor
e qual é o prazer de ser um colaborador?
Vitor: - Na
experiência que tive, confesso que o prazer ganhou de lavada da dor. Tanto
Alcides Nogueira, quanto Geraldo Carneiro foram generosíssimos e nos
divertíamos muito em todos os capítulos. A troca de ideias que tive com o outro
colaborador de “O astro”, Tarcisio Lara Puiati, foi sempre enriquecedora e um
sempre procurava ajudar o outro. Tive muita sorte em fazer parte desse “dream
team”. E não há prazer maior do que ver no ar um capítulo da novela que você
ajudou a escrever. Ouvir uma fala criada
por você sendo dita por um ator em uma novela não tem preço. Pode haver uma
dorzinha ou outra quando a cena não sai do jeito que você imaginou ou até pelo
desenvolvimento da trama, porque, por mais que estejamos sintonizados com o
autor, claro que cada um escreveria da sua maneira. O colaborador tem que
deixar o ego e a vaidade de lado e escrever da maneira mais próxima possível
que o autor escreveria. Há uma encomenda e é preciso atender a essa encomenda
da melhor maneira possível.
Fábio: - Na sua opinião, o que torna uma
novela interessante para o público?
Vitor: - Se tivesse
uma resposta certa para isso, certamente todos os problemas acabariam, mas
também seria meio monótono, não? Nunca se sabe o que vai agradar o público. Às
vezes uma novela tem tudo pra emplacar: grande enredo, ótimo elenco, direção
competente, mas ela simplesmente não acontece. E às vezes, de uma ideia que
ninguém dava muito crédito, surge um mega sucesso. Acho que esse imponderável,
esse frio na barriga, esse desejo de ousar, de assumir riscos, de apostar em
alguma ideia é que é a graça da profissão. E sempre vai haver o erro, mas com
ele também deve vir o aprendizado. Fazer um gol é legal, mas um gol de
bicicleta é melhor ainda.
Fábio - O sonho de todo colaborador é criar
suas próprias histórias. Você já se sente preparado para escrever uma novela
sua?
Vitor: - Sinceramente,
acho que tenho ainda um caminho a percorrer. Claro que isso é meu grande sonho
e sei que um dia isso vai acontecer, mas não quero queimar etapas. Assim como um
piloto precisa de horas de voo para pilotar um Boeing com segurança, um autor
também tem que viver seus dias de copiloto até adquirir a experiência
necessária para um voo solo.
Fábio: - Qual é o seu estilo de escrever?
Tem facilidade de se adequar a qualquer gênero?
Vitor: - Claro que,
quanto mais estilos você dominar, mais oportunidades de trabalho vai ter. E em
uma novela, há de tudo: drama, humor, suspense, aventura, mas claro que tem
sempre aquele estilo em que nos sentimos mais em casa. Adoro escrever humor,
mas particularmente, tenho predileção pelos ingredientes do folhetim clássico: aquelas
cenas catárticas, de clímax, com direito a discussões acaloradas, revelações,
tapas na cara e tudo o mais que o contexto e a imaginação permitir (risos).
Fábio: - Como você vê a interação entre as
novelas e as redes sociais?
Vitor: - Vejo de uma maneira muito positiva. Acompanhava “O astro” com um olho na
tela e outro no twitter e depois enviava todos os comentários para a equipe,
que adorava. Era maravilhoso ter a resposta de parte do público praticamente em
tempo real. Foi um ótimo termômetro que nos possibilitou ver onde estávamos
acertando e onde poderíamos melhorar. Mas devo dizer que em “O astro”, 99% dos
comentários eram positivos, o que nos alegrou bastante.
Fábio: - Atualmente a classificação
indicativa da televisão é bem rígida e muitos a veem como uma espécie de
censura disfarçada. Ela prejudica a liberdade de criação dos autores?
Qual sua posição sobre a classificação indicativa?
Vitor: - Com
certeza, é uma censura disfarçada. Prejudica e muito a liberdade de criação dos
autores que, felizmente, sempre são geniais e sabem driblá-la da melhor maneira
possível com soluções altamente criativas. Sou a favor da classificação
indicativa, desde que não haja vinculação do horário. O espectador tem o
direito de saber para qual faixa etária determinado produto está destinado, mas
também deve ter o poder de decidir se quer ou não assistir ou permitir que seus
filhos assistam. Do jeito que está, é o governo que decide pelos indivíduos, ou
seja, censura. E tem uma coisa que nunca vou entender: enquanto na novela não
se pode quase nada, vemos de tudo nos noticiários e em qualquer horário:
violência, roubos, agressões, mortes, ou seja, por mais que a ficção tenha
esses ingredientes, a realidade vai ser sempre mais pesada. Enfim, é uma
hipocrisia e um desrespeito à inteligência da criança. Não é porque o Coyote
explode uma dinamite contra o Papa Léguas, que a criança vai fazer o mesmo.
Acima de tudo, é um atentado à inteligência e à liberdade de escolha do
público.
Fábio: - Qual o papel da telenovela na vida
dos brasileiros?
Vitor: - A
finalidade principal da telenovela é o entretenimento. E essa finalidade ela
vem cumprindo com louvor durante décadas, já que uma enorme parcela da
população não tem acesso a outras formas de cultura, como cinema ou teatro. Por
isso mesmo, não podemos nunca descuidar da qualidade. Mas é claro que, querendo
ou não, a novela também educa e forma o caráter do cidadão, abordando temas que
as pessoas normalmente não teriam oportunidade. Mas não acho que seja uma via
de mão única. A telenovela também aprende com o público, reproduz seus hábitos e
se transforma junto com as transformações da sociedade. Ela não é apenas uma
janela, mas também um espelho, refletindo hábitos e culturas. A novela tem esse
poder transformador, mas também é transformada por seus espectadores.
Fábio: - Você é noveleiro? Quem são suas
maiores referências no gênero? Quais novelas você considera serem memoráveis?
Vitor: - Óbvio, afinal tenho um blog dedicado
ao assunto (risos). As referências mais marcantes são sempre aquelas que
conhecemos em nossa infância e que nos acompanham em nossa memória afetiva durante
a vida. Lembro que a primeira novela a que acompanhei assiduamente foi “Guerra
dos Sexos” (1983), de Sílvio de Abreu. Naquela época, tinha apenas 6 anos, mas
ela me fez despertar o desejo de fazer parte daquele universo. Depois vieram “A
gata comeu” (1985), “Ti Ti Ti” (1985), “Cambalacho” (1986) e “Tieta” (1989),
minha novela do coração. Mas não posso deixar de citar três referências
obrigatórias no gênero, talvez as mais significativas e verdadeiras aulas de
como se escrever uma novela. “Selva de Pedra”, “Roque Santeiro” e “Vale Tudo”.
Fábio: - Quais seus autores de novela
preferidos e quais autores dessa nova geração você destaca?
Vitor: - Temos
tantos e tão bons autores que citá-los seria até injusto, mas não posso deixar
de mencionar que quando crescer quero ter o refinamento de Alcides Nogueira e a
genialidade de Gilberto Braga (risos). Mas também sou muito fã de Aguinaldo
Silva, Lauro César Muniz, Manoel Carlos, Sílvio de Abreu, Maria Adelaide
Amaral... a lista não tem fim. Todos são uma inspiração para o meu trabalho.
Dentre os novos autores, destaco as duplas Duca Rachid e Thelma Guedes; Filipe
Miguez e Izabel de Oliveira, que estão trazendo de volta para o horário das
sete o enorme sucesso das novelas dos anos oitenta; e Lícia Manzo, que
surpreendeu muito em sua primeira novela com um texto e uma construção de
personagens primorosos. E, claro, João Emanuel Carneiro veio pra balançar as
estruturas. Mas quer saber? Todos eles continuam bebendo da inesgotável fonte
de Janete Clair. Todas as inovações que vimos, é só você procurar em suas
novelas, que ela já fez. Ou seja, Janete Clair ainda é nossa autora mais
moderna (risos).
Fábio: - Em sua opinião, quais elementos não
podem faltar em uma boa novela?
Vitor: - Um bom
conflito, personagens cativantes e uma boa história de amor.
Fábio: - Muitos dizem que depois de tantos
anos a estrutura das telenovelas atuais está cada vez mais desgastada, falam
até sobre o fim da telenovela. Você concorda com isso ou acha que a telenovela
ainda tem um longo futuro pela frente?
Vitor: - Olha,
quando fiz oficina de autores na Globo em 2010, tive acesso a um texto jornalístico
dos anos 60 que já discutia isso, ou seja, há quarenta anos estão decretando o
fim da telenovela e ela continua aí, mais forte do que nunca, mais forte até do
que as novas formas de comunicação advindas das novas tecnologias. É só você
acessar o twitter diariamente que verá que 90% dos tópicos mais comentados são
sobre alguma novela no ar. Acho que a estrutura da novela vai ser sempre a
mesma e vai ter aqueles elementos que citei na resposta anterior, mas é claro
que ela precisa acompanhar as transformações da sociedade e se reinventar
sempre. O ser humano vai ser sempre ávido por boas histórias e a telenovela
ainda é a forma mais acessível de democrática de contá-las.
Fábio: - Que conselho daria a um jovem roteirista
que sonha trabalhar na TV?
Vitor: - Estude muito, leia muito, pratique
muito, faça o máximo de cursos que puder e esteja sempre antenado e em contato
com as pessoas que trabalham com isso.
Fábio: - Para encerrar, você pode
falar sobre seus próximos trabalhos?
Vitor: - Em breve, vem uma novidade por aí,
mas está muito no comecinho. Ainda é cedo pra revelar alguma coisa, mas garanto
que vai dar o que falar (risos).
Muito obrigado pela entrevista e boa
sorte em seus próximos trabalhos.
Eu é que agradeço. Adorei as perguntas.
Sucesso pra você!