quinta-feira, 19 de julho de 2012

Entrevista: Vitor de Oliveira


 
Vitor foi contratado pela Globo em 2010 depois de passar pela oficina de roteiristas da emissora. Seu primeiro trabalho  foi como colaborador da novela "O Astro" no ano passado. Além de autor, Vitor também é professor e mantém um blog de muito sucesso sobre televisão. Nessa entrevista Vitor fala de sua paixão pela TV, sobre novelas,  sobre o seu blog  e livro "Eu prefiro melão", além de contar um pouco de seus próximos projetos. Confira.

Funcionário público, professor formado em Letras: todas as minhas experiências me ajudaram a ser quem eu sou. Fui muito feliz em todas as minhas atividades. Quando não estava mais satisfeito, simplesmente parti pra outra. 


Caminho para chegar até a TV: determinação, dedicação e luta.


Eu prefiro melão: Só me dá alegrias e me abriu grandes portas. Não me trouxe grana, mas me trouxe reconhecimento. E como se não bastasse, graças a ele, publiquei meu primeiro livro!

 “O Astro”: Inesquecível. As melhores lembranças! Um trabalho que sempre vou guardar em minha memória e meu coração com um enorme carinho. Já imaginou, logo em sua estreia, ajudar a contar uma obra consagrada de ninguém menos que Janete Clair, com Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro, com um elenco de nomes como Regina Duarte, Francisco Cuoco e Rosamaria Murtinho (que povoaram meu imaginário de espectador desde a infância), entre tantos outros queridos e talentosos atores... o que mais posso querer? Amor eterno!

(Vitor de Oliveira e Alcides Nogueira)
Alcides Nogueira: Como não amar? Sem dúvida, a pessoa mais importante em minha formação profissional. Além de um autor de enorme talento, um companheiro de trabalho maravilhoso, um mestre da maior generosidade, um amigo querido, uma inteligência rara, uma cultura ímpar e uma das melhores pessoas que conheço. É o aprendizado pelo afeto. Tide é único!

 Fábio - Você sempre quis escrever para televisão?
Vitor: - Sim, mesmo não tendo essa consciência clara na infância quando criava minhas “novelinhas” em meus cadernos. Por ser do interior e de família classe média baixa, sempre me pareceu um sonho muito distante. Então, quando ingressei na vida profissional, deixei esse sonho de lado e investi em uma carreira acadêmica que nunca veio a se concretizar de fato.

Fábio: - Você sempre teve o apoio da sua família na escolha da sua carreira?
Vitor: - Não diretamente, porque, como já disse, trabalhar na televisão sempre foi algo muito distante da nossa realidade, mas eles sempre enxergaram essa minha vocação natural para a escrita e sempre me apoiaram em todas as minhas decisões.

Fábio: - Você lê muito? Que tipo de leitura você acha fundamental para seu trabalho?
Vitor: - Olha, não tanto como gostaria e deveria (risos). Como fiz faculdade de Letras e depois encarei dois mestrados incompletos, durante muito tempo fiquei lendo livros indicados por outras pessoas e para finalidades específicas. Só agora estou retornando ao prazer de ler o que bem quero.  Para o meu trabalho, é importantíssimo ler de tudo, desde os grandes romances até livros teóricos sobre a técnica de escrever roteiro, passando por jornais, revistas, gibis e até mesmo roteiros prontos. Leia o máximo que puder e de tudo. De uma notícia de jornal, pode surgir uma grande história.

(Apresentação da novela "O Astro") 
Fábio: - Qual é a melhor forma de divisão de trabalho entre autor e colaboradores para se escrever uma novela?
Vitor: - Não sei se há uma “melhor forma”. Isso vai depende do método de trabalho de cada autor. Nossa função é sempre facilitar ao máximo o trabalho deles, que já é hercúleo por natureza.

Fábio: - Você pode descrever como é o trabalho de um colaborador?
Vitor: - Mais uma vez, isso vai variar de autor pra autor, mas basicamente o colaborador desenvolve as cenas criadas pelo autor, escrevendo diálogos e descrevendo as ações de forma mais clara possível. Há colaboradores que são especialistas em escaleta, que é a descrição das cenas ainda sem as falas, ou seja, o esqueleto, a estrutura de um capítulo. Um colaborador também pode participar das reuniões, opinando e dando sugestões para o desenvolvimento da trama e também pode fazer a revisão dos capítulos, mas como já disse, a função de um colaborador vai depender sempre das atribuições que o autor vai dar a ele.

Fábio - Ao escrever capítulos, qual é a dor e qual é o prazer de ser um colaborador?
Vitor: - Na experiência que tive, confesso que o prazer ganhou de lavada da dor. Tanto Alcides Nogueira, quanto Geraldo Carneiro foram generosíssimos e nos divertíamos muito em todos os capítulos. A troca de ideias que tive com o outro colaborador de “O astro”, Tarcisio Lara Puiati, foi sempre enriquecedora e um sempre procurava ajudar o outro. Tive muita sorte em fazer parte desse “dream team”. E não há prazer maior do que ver no ar um capítulo da novela que você ajudou a escrever. Ouvir  uma fala criada por você sendo dita por um ator em uma novela não tem preço. Pode haver uma dorzinha ou outra quando a cena não sai do jeito que você imaginou ou até pelo desenvolvimento da trama, porque, por mais que estejamos sintonizados com o autor, claro que cada um escreveria da sua maneira. O colaborador tem que deixar o ego e a vaidade de lado e escrever da maneira mais próxima possível que o autor escreveria. Há uma encomenda e é preciso atender a essa encomenda da melhor maneira possível.

Fábio: - Na sua opinião, o que torna uma novela interessante para o público?
Vitor: - Se tivesse uma resposta certa para isso, certamente todos os problemas acabariam, mas também seria meio monótono, não? Nunca se sabe o que vai agradar o público. Às vezes uma novela tem tudo pra emplacar: grande enredo, ótimo elenco, direção competente, mas ela simplesmente não acontece. E às vezes, de uma ideia que ninguém dava muito crédito, surge um mega sucesso. Acho que esse imponderável, esse frio na barriga, esse desejo de ousar, de assumir riscos, de apostar em alguma ideia é que é a graça da profissão. E sempre vai haver o erro, mas com ele também deve vir o aprendizado. Fazer um gol é legal, mas um gol de bicicleta é melhor ainda.

Fábio - O sonho de todo colaborador é criar suas próprias histórias. Você já se sente preparado para escrever uma novela sua?
Vitor: - Sinceramente, acho que tenho ainda um caminho a percorrer. Claro que isso é meu grande sonho e sei que um dia isso vai acontecer, mas não quero queimar etapas. Assim como um piloto precisa de horas de voo para pilotar um Boeing com segurança, um autor também tem que viver seus dias de copiloto até adquirir a experiência necessária para um voo solo.

Fábio: - Qual é o seu estilo de escrever? Tem facilidade de se adequar a qualquer gênero?
Vitor: - Claro que, quanto mais estilos você dominar, mais oportunidades de trabalho vai ter. E em uma novela, há de tudo: drama, humor, suspense, aventura, mas claro que tem sempre aquele estilo em que nos sentimos mais em casa. Adoro escrever humor, mas particularmente, tenho predileção pelos ingredientes do folhetim clássico: aquelas cenas catárticas, de clímax, com direito a discussões acaloradas, revelações, tapas na cara e tudo o mais que o contexto e a imaginação permitir (risos).  

Fábio: - Como você vê a interação entre as novelas e as redes sociais?
Vitor: Vejo de uma maneira muito positiva. Acompanhava “O astro” com um olho na tela e outro no twitter e depois enviava todos os comentários para a equipe, que adorava. Era maravilhoso ter a resposta de parte do público praticamente em tempo real. Foi um ótimo termômetro que nos possibilitou ver onde estávamos acertando e onde poderíamos melhorar. Mas devo dizer que em “O astro”, 99% dos comentários eram positivos, o que nos alegrou bastante.

Fábio: - Atualmente a classificação indicativa da televisão é bem rígida e muitos a veem como uma espécie de censura disfarçada. Ela prejudica a liberdade de criação dos autores?  Qual sua posição sobre a classificação indicativa?
Vitor: - Com certeza, é uma censura disfarçada. Prejudica e muito a liberdade de criação dos autores que, felizmente, sempre são geniais e sabem driblá-la da melhor maneira possível com soluções altamente criativas. Sou a favor da classificação indicativa, desde que não haja vinculação do horário. O espectador tem o direito de saber para qual faixa etária determinado produto está destinado, mas também deve ter o poder de decidir se quer ou não assistir ou permitir que seus filhos assistam. Do jeito que está, é o governo que decide pelos indivíduos, ou seja, censura. E tem uma coisa que nunca vou entender: enquanto na novela não se pode quase nada, vemos de tudo nos noticiários e em qualquer horário: violência, roubos, agressões, mortes, ou seja, por mais que a ficção tenha esses ingredientes, a realidade vai ser sempre mais pesada. Enfim, é uma hipocrisia e um desrespeito à inteligência da criança. Não é porque o Coyote explode uma dinamite contra o Papa Léguas, que a criança vai fazer o mesmo. Acima de tudo, é um atentado à inteligência e à liberdade de escolha do público.
 
Fábio: - Qual o papel da telenovela na vida dos brasileiros?
Vitor: - A finalidade principal da telenovela é o entretenimento. E essa finalidade ela vem cumprindo com louvor durante décadas, já que uma enorme parcela da população não tem acesso a outras formas de cultura, como cinema ou teatro. Por isso mesmo, não podemos nunca descuidar da qualidade. Mas é claro que, querendo ou não, a novela também educa e forma o caráter do cidadão, abordando temas que as pessoas normalmente não teriam oportunidade. Mas não acho que seja uma via de mão única. A telenovela também aprende com o público, reproduz seus hábitos e se transforma junto com as transformações da sociedade. Ela não é apenas uma janela, mas também um espelho, refletindo hábitos e culturas. A novela tem esse poder transformador, mas também é transformada por seus espectadores.

Fábio: - Você é noveleiro? Quem são suas maiores referências no gênero? Quais novelas você considera serem memoráveis?
Vitor: - Óbvio, afinal tenho um blog dedicado ao assunto (risos). As referências mais marcantes são sempre aquelas que conhecemos em nossa infância e que nos acompanham em nossa memória afetiva durante a vida. Lembro que a primeira novela a que acompanhei assiduamente foi “Guerra dos Sexos” (1983), de Sílvio de Abreu. Naquela época, tinha apenas 6 anos, mas ela me fez despertar o desejo de fazer parte daquele universo. Depois vieram “A gata comeu” (1985), “Ti Ti Ti” (1985), “Cambalacho” (1986) e “Tieta” (1989), minha novela do coração. Mas não posso deixar de citar três referências obrigatórias no gênero, talvez as mais significativas e verdadeiras aulas de como se escrever uma novela. “Selva de Pedra”, “Roque Santeiro” e “Vale Tudo”.

 Fábio: - Quais seus autores de novela preferidos e quais autores dessa nova geração você destaca?
Vitor: - Temos tantos e tão bons autores que citá-los seria até injusto, mas não posso deixar de mencionar que quando crescer quero ter o refinamento de Alcides Nogueira e a genialidade de Gilberto Braga (risos). Mas também sou muito fã de Aguinaldo Silva, Lauro César Muniz, Manoel Carlos, Sílvio de Abreu, Maria Adelaide Amaral... a lista não tem fim. Todos são uma inspiração para o meu trabalho. Dentre os novos autores, destaco as duplas Duca Rachid e Thelma Guedes; Filipe Miguez e Izabel de Oliveira, que estão trazendo de volta para o horário das sete o enorme sucesso das novelas dos anos oitenta; e Lícia Manzo, que surpreendeu muito em sua primeira novela com um texto e uma construção de personagens primorosos. E, claro, João Emanuel Carneiro veio pra balançar as estruturas. Mas quer saber? Todos eles continuam bebendo da inesgotável fonte de Janete Clair. Todas as inovações que vimos, é só você procurar em suas novelas, que ela já fez. Ou seja, Janete Clair ainda é nossa autora mais moderna (risos).

Fábio: - Em sua opinião, quais elementos não podem faltar em uma boa novela?
Vitor: - Um bom conflito, personagens cativantes e uma boa história de amor.

Fábio: - Muitos dizem que depois de tantos anos a estrutura das telenovelas atuais está cada vez mais desgastada, falam até sobre o fim da telenovela. Você concorda com isso ou acha que a telenovela ainda tem um longo futuro pela frente?
Vitor: - Olha, quando fiz oficina de autores na Globo em 2010, tive acesso a um texto jornalístico dos anos 60 que já discutia isso, ou seja, há quarenta anos estão decretando o fim da telenovela e ela continua aí, mais forte do que nunca, mais forte até do que as novas formas de comunicação advindas das novas tecnologias. É só você acessar o twitter diariamente que verá que 90% dos tópicos mais comentados são sobre alguma novela no ar. Acho que a estrutura da novela vai ser sempre a mesma e vai ter aqueles elementos que citei na resposta anterior, mas é claro que ela precisa acompanhar as transformações da sociedade e se reinventar sempre. O ser humano vai ser sempre ávido por boas histórias e a telenovela ainda é a forma mais acessível de democrática de contá-las.

Fábio: - Que conselho daria a um jovem roteirista que sonha trabalhar na TV? 
Vitor: - Estude muito, leia muito, pratique muito, faça o máximo de cursos que puder e esteja sempre antenado e em contato com as pessoas que trabalham com isso.


 
Fábio: -  Para encerrar, você pode falar  sobre seus próximos trabalhos?
Vitor: - Em breve, vem uma novidade por aí, mas está muito no comecinho. Ainda é cedo pra revelar alguma coisa, mas garanto que vai dar o que falar (risos).

Muito obrigado pela entrevista e boa sorte em seus próximos trabalhos.
Eu é que agradeço. Adorei as perguntas. Sucesso pra você!

4 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Adorei a entrevista!
    Parabéns!
    Vitor de Oliveira tem muito que brilhar...
    Adorei as dicas e os comentários,
    Admiro muito quem trabalha nesse ramo, parabéns!

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  3. O autor nao escreve cena nenhuma, só a escaleta? :O

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  4. Entrevista show de bola, adoro o Vitor sou seu fã e fã do melão! Que ele tenha uma carreira brilhante! Parabéns ao blog.


    http://brincdeescrever.blogspot.com.br/2012/07/flora-x-carminha.html

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